Foto As manifestações pelo clima decorrem em várias escolas e faculdades de Lisboa Daniel Rocha O director da escola anunciou ainda que os alunos aceitaram que a escola retome o normal funcionamento na terça-feira – e a direcção assume o compromisso de debater mais a questão das alterações climáticas e do combate aos combustíveis fósseis em ambiente escolar. Os alunos ficarão no recinto escolar até à meia-noite, e tal não significa o fim das acções de protesto
Ao lado do portão bloqueado do Liceu Camões, em Lisboa, Madalena ajeita a faixa preta em que se lê “Fim ao fóssil” e volta a colá-la com fita adesiva. Depois, corre para o meio das dezenas de estudantes que se manifestam pelo clima na escola, que entoam cânticos, que transformam os caixotes do lixo em tambores e as colheres de metal em baquetas. Madalena (que prefere não dizer o apelido) ficou a dormir no ginásio da escola quase todos os dias da semana passada, nos colchões que por norma usam nas aulas de educação física. E, agora, a ocupação continua. “Estou aqui a manifestar-me pelo nosso clima e pelo nosso futuro”, resume, por entre as grades.
A ocupação da escola e as manifestações têm tido “bastante sucesso”, conta a estudante ao PÚBLICO. “Criámos uma comunidade em auto-gestão baseada em confiança mútua”, comenta Madalena, que tem 17 anos. “Sempre em reuniões e em debate constante sobre os próximos passos, sobre o que fizemos e o que vamos fazer.”
Foto Alunos estão a ocupar a escola desde a semana passada, mas só bloquearam a entrada nesta segunda-feira Ao longo do protesto, a aluna do 12.º ano vai distribuindo água e comida pelos companheiros. “É sempre bom as pessoas estarem hidratadas e sem fome porque as quebras de tensão são uma coisa que acontecem quando uma pessoa está a dançar”, sorri. E é isso mesmo que fazem: os estudantes dançam, saltam, correm.
Foto Uma das exigências dos estudantes é a demissão do ministro da Economia e do Mar, António Costa Silva Daniel Rocha Enquanto dormiram na escola, estiveram “sempre bem”. “Tivemos sempre um óptimo jantar, dormimos sempre protegidos”, diz. A maioria dos pais está a favor e mostra-se solidária com a preocupação dos estudantes, que também sentem o apoio por parte da direcção da escola.
O burburinho começa a ouvir-se assim que se cruza a Praça José Fontana. Há partes da escola que estão em obras e, perto da entrada principal que está entaipada, surge uma faixa que faz adivinhar o que se passa no interior: “Escola ocupada”, escrito a preto e a vermelho. As setas indicam as entradas alternativas e é junto ao pavilhão que os alunos se concentram. Estamos na Rua da Escola de Medicina Veterinária, mesmo ao lado da Polícia Judiciária.
Há umas escadas improvisadas encostadas ao portão, de cada lado, e é por lá que os alunos entram e saem do recinto da escola. As mochilas são atiradas sem grande cuidado por cima do portão, e só depois é que os alunos se aventuram a subir as escadas. Do lado de fora, os carros passam (alguns apitam) e a comunicação social observa.
Foto Outra das exigências dos alunos é o fim da exploração e utilização de recursos fósseis até 2030 Daniel Rocha Foi há uma semana que estes protestos pelo clima começaram. “O protesto de hoje é a continuação desse protesto”, explica Inês Esteves, que frequenta o 11.º ano no Liceu Camões e é uma das porta-vozes desta manifestação. “É um protesto em reacção à forma como a crise climática está a escalar, pelo fim da exploração dos combustíveis fósseis até 2030”, conta.
Ministério vai contactar os alunos Os estudantes pedem ainda a demissão do ministro da Economia e do Mar, António Costa Silva, que até convidaram para assistir a uma palestra sobre a crise climática e sobre “acções que têm de ser tomadas já”, explica Inês Esteves. Mas o ministro recusou o convite por questões de agenda, diz Inês, ainda que só tenham sabido da recusa pela comunicação social.
A activista confirmou ainda que o movimento foi, entretanto, contactado pelo Ministério da Economia e do Mar para se reunir com o ministro António Costa Silva: o encontro acontecerá às 17h de terça-feira, no Ministério da Economia. Fonte do ministério já tinha dito à agência Lusa que os activistas climáticos iriam ser contactados ainda esta segunda-feira para agendar a reunião.
A Polícia de Segurança Pública (PSP) disse à Lusa que os activistas fecharam dois portões da escola e que protestos estão a decorrer de “forma calma e ordeira”. O bloqueio dos portões aconteceu por volta das 7h desta segunda-feira. As aulas estão suspensas desde quinta-feira e os alunos permaneceram na escola mesmo durante o fim-de-semana. Houve umas 70 pessoas ao todo que ficaram a ocupar a escola, conta Inês Esteves, com um grupo fixo de cerca de 30 pessoas.
A estudante refere ainda que estão em diálogo com a direcção da escola e louva o apoio que têm recebido: “Queremos frisar que só é possível termos este tipo de iniciativas por termos a direcção que temos”, diz. E por aqui continuarão: “O nosso objectivo é ocupar até vencer.”
O director da escola, João Jaime Pires, disse que estava “solidário com o planeta”, mas que não pode estar solidário quando a escola é prejudicada. Ou seja, quando os alunos deveriam estar em aulas e não estão.
Foto As manifestações pelo clima decorrem em várias escolas e faculdades de Lisboa Daniel Rocha O director da escola anunciou ainda que os alunos aceitaram que a escola retome o normal funcionamento na terça-feira – e a direcção assume o compromisso de debater mais a questão das alterações climáticas e do combate aos combustíveis fósseis em ambiente escolar. Os alunos ficarão no recinto escolar até à meia-noite, e tal não significa o fim das acções de protesto.
Estes protestos não acontecem só no Liceu Camões, mas também na escola artística António Arroio , na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH), na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (onde foram detidos quatro activistas na sexta-feira) e na Faculdade de Ciências da mesma universidade e ainda no Instituto Superior Técnico (IST). O movimento Fim ao Fóssil: Ocupa é organizado pela Greve Climática Estudantil. As ocupações coincidem com a Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas ( COP27 ), que decorre desde domingo em Sharm el-Sheikh, no Egipto, até ao próximo dia 18.
A meio da manifestação desta segunda-feira, chega uma doação de comida dos alunos que ocuparam a Faculdade de Letras de Lisboa para os alunos do Liceu Camões: azeitonas, leite, cereais, copos reutilizáveis. É quase hora de almoço e os mais de 50 alunos comerão ali mesmo no recinto da escola.
Enquanto não é hora de comer, os alunos saltam e cantam: “Fim ao fóssil”; “Camões, ocupa”; “Não paramos de lutar”; “Com o petróleo, andamos para trás”; “Para a nossa espécie não ficar extinta, neutralidade até 2030”. As faixas espalhadas pela escola espelham a mesma mensagem: “Justiça social = Justiça climática”; “Neutralidade carbónica era para ontem”.
Foto No Liceu Camões, os alunos também defendem o fim da obrigatoriedade dos exames nacionais do ensino secundário Daniel Rocha Diogo Brissos é um dos estudantes do Liceu Camões em protesto pelo clima e esteve de manhã a fazer uma das faixas que está pendurada em frente à escola com a mensagem “capitalismo não é verde”. Defende que há uma falha estrutural no sistema, que é preciso haver mais investimento nos transportes públicos e mais intervenção por parte dos estudantes no dia-a-dia.
O estudante de 17 anos reconhece que agora se “subiu o tom” no Liceu Camões, “perante as exigências que não têm vindo a ser cumpridas”. E argumenta que isso só é possível através da luta dos estudantes, através da união, conta, à entrada da escola. O objectivo é que os ouçam. “Até lá, continuaremos a fazer barulho.”
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